Por que falar de ócio?
[...] Diante do mundo de evasão, distração espetáculo que nos rodeia, o ser humano se torna cada vez mais limitado, cada vez mais dependente das máquinas, menos ator e mais espectador de uma realidade irreal. Falar de ócio se transforma neste contexto, num questionamento de cada um consigo mesmo, de como ser um pouco mais livre para fazer o que se quer. (...) a vivência de ócio é uma experiência que nos ajuda a nos realizar, nos conhecer, nos identificar, nos sentir melhores, sair da rotina, fantasiar e recuperar o equilíbrio das frustrações e desenganos.

(Cuenca, 2003, p. 32).

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ame o que você faz - Parte FINAL




Mesmo porque os nossos alicerces intelectuais não serão os nossos diplomas dos cursos estampados na parede do escritório ou da nossa casa. Com certeza não! Os nossos alicerces são as dores que passamos, as inseguranças que vivenciamos, as angústias que sofremos, a superação do nosso caos...
Para o aluno, principalmente o jovem, fica difícil ter uma relação positiva com o professor que o julga incapaz, incompetente. Alguém que recrimina seus erros e falhas, que as expõe a vexames públicos, que o ameaça com um fracasso, que se queixa com outras turmas e com a coordenação sobre o baixo rendimento de determinada turma.
Por outro lado, também não é fácil para o professor ter uma atitude positiva com relação a um aluno que não sabe nada e que, além disso, não se esforça para aprender e assume o papel de mau aluno. Não há condições para se construir uma relação positiva baseada na estima mútua e na afeição recíproca. E todos os discursos modernos proclamam que essa é uma condição para o sucesso da ação educativa.
Nos últimos 20 anos[1], o número de alunos matriculados no sistema de ensino superior brasileiro aumentou mais três vezes. Mas o senso comum de que cursar uma faculdade habilita o individuo para uma vida melhor perdeu força. A maior parte das instituições particulares, majoritariamente responsáveis pela oferta de vagas, contribui de forma insignificante para a produção de conhecimento. Elas ajudam a colorir as estatísticas, mas não formam seus alunos.
É fato que com a massificação do ensino o direito ao acesso aumentou consideravelmente e, com isso, perdeu-se na qualidade do ensino. Mas, também não podemos culpar os nossos professores e nem os nossos pais pelos nossos insucessos ou fracassos, isso é da nossa inteira responsabilidade. O aprendizado consiste numa busca constante de querer aprender... conhecer, saber. Creio que o que faz o nosso crescente interesse pelo aprendizado nem sempre é o professor, mas sim nós mesmos, por um fator interior que nos impulsiona nessa busca permanente, ou seja, quem somos? É inseparável de onde estamos, de onde viemos, para onde vamos? Como diz Morin, “Conhecer o humano não é separá-lo do universo, mas aí situá-lo”.
Concordo com Peter Drucker quando disse que a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo. O profissional do futuro (e o futuro já começou) terá como principal tarefa aprender. Sim, pois para executar tarefas repetitivas já existem os computadores e os robôs. Ao homem compete ser criativo, imaginativo, inovador.
Lucrecia Ferrara, que faz parte do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP, diz que: “Na realidade, não é a universidade que está em crise, mas o ensino básico e fundamental. A dificuldade de rendimento do aluno universitário decorre de uma formação anterior que está muito longe de atender às mínimas condições de construção daqueles pilares”.
É evidente que existe uma falha e, essa falha não será corrigida no ensino superior, mesmo porque, acredito que esta não seja a sua função. Enfim, quero dizer que não podemos aceitar a condição de “burros diplomados”, como dizia minha professora marcante “negativa” do ensino fundamental.
A vida é um contínuo e complexo processo de aprender e desaprender, como também um acúmulo de oportunidades perdidas com as quais decidimos não querer aprender e tampouco desaprender.
Quanto às dores para apreender...
São como as nossas paixões...
Inevitáveis.
A vida tem sempre seus problemas e está constantemente lançando mais problemas. E nós somos condicionados a resolver problemas e o nosso cérebro está condicionado a problemas desde criança.
Entretanto, é preciso desprender-se dos problemas e ser criativo, e criatividade significa amar tudo o que você faz - rejubilar-se com isso, festejá-lo! Talvez ninguém venha a conhecê-lo - quem o elogiará por limpar o chão? A história não terá nenhum registro disso; a mídia não divulgará o seu nome e sua foto, mas o que você faz é importante. Você se rejubilou com isso. O valor é intrínseco.
Ame o que você faz. Seja meditativo quando estiver fazendo - qualquer coisa que seja, independentemente do que seja. Então, você saberá que até uma tarefa de limpeza pode tornar-se criativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 4. ed.  São Paulo: Paz e Terra,
2006.

ANASTASIOU, L. G. C., Alves, Leonir Pessate. Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. Joinville, Santa Catarina: Univille, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

______. Professora sim: tia não. 19. ed. São Paulo: Olho d’Água, 2008.
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

IÇAMI, Tiba. Ensinar aprendendo: novos paradigmas na educação. 18. ed. São Paulo: Integrare, 2006.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

______. O método 5: a humanidade da humanidade. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007.

POLITY, Elizabeth. Dificuldade de Ensinagem: que história é essa? 1. ed. São Paulo: Vetor, 2002.



[1] BREGANTINI, Daysi. O conflito nas universidades. In: Revista CULT, São Paulo, nº 138, ago. de 2009.

sábado, 12 de maio de 2012

Ame o que você faz - parte 4


Nesse sentido ninguém pode aprender sob pressão. As pessoas aprendem quando estão abertas ao inesperado, quando procuram dentro de si mesmas, quando lhes é permitido sonhar, quando são levadas por uma espécie de sede interior. As pessoas realmente aprendem quando estão ocupadas com alguma coisa: amando, trabalhando, amando seu trabalho, trabalhando na área que gostam.
            A educação moderna exagerou na importância da técnica, desenvolvendo capacidades e eficiências, sem a compreensão da vida, sem uma percepção total dos movimentos da mente e do desejo, tornando-nos cada vez mais cruéis, e isso significa fomentar guerras e por em perigo nossa segurança física.
            Vivemos numa época que podemos nomear de “sociedade do conhecimento”, devido ao fato que ocorre atualmente, isto é, ao acúmulo de conhecimentos humanos, e o ritmo desta acumulação ganhou nova velocidade, uma vez que os avanços nas diversas áreas interagem e potencializam a produção ainda mais rápida de novos conhecimentos. Fatores como a globalização e o desenvolvimento nas tecnologias de informação e comunicação estão na base da nova ordem social, econômica, cultural e política. O fato é que também estamos transbordando de informações, entretanto, sem tempo hábil para elaborar o conhecimento que já adquirimos e, pior, sem saber o que fazer com tanta informação.
            Neste contexto, não tem mais espaço para o professor que pensa ensinar como transmissão de conhecimento e que não cria possibilidades para sua própria produção ou a sua construção.  Hoje, o professor necessita ampliar a sua visão sobre “o aprender a apreender como um processo de ensino/aprendizagem,[1] como também quanto a dificuldade de ensinagem [2]”, aprimorando seu autoconhecimento e a sua compreensão nas relações com os alunos, não devendo encará-los como máquinas, passiveis de “endireitar” num instante, mas como seres vivos, impressionáveis, volúveis, sensíveis, medrosos, afetivos; e no trato com eles necessitamos de muita compreensão, da força da paciência e do amor. Mesmo porque, o aprendizado só é difícil quando está relacionado a ensinar e estudar, do contrário, as pessoas parecem aprender sem muito esforço. Cabe aos atuais, futuros professores mudar esse paradigma.
Meu pai costumava dizer: “Na vida, nada é perdido, tudo é aproveitado”. Complemento ainda, que mesmo aquilo que no primeiro momento não nos parece fazer sentido, é simplesmente porque ainda não conseguimos perceber, e isso, somente com o tempo e a maturidade poderá ser revelado ou avaliado.
O ponto chave para a satisfação é algo que quase sempre nos escapa. De maneira que não se trata de conseguir o que queremos, mas sim querer aquilo que conseguimos. Assim, antes de ser mestre, precisamos ser aprendizes. Esticar o pescoço para enxergar mais, sem ter vergonha de perguntar. Quem pensa que sabe não aprende, não sonha novos sonhos, nem ousa novas ousadias. Sêneca dizia: “Gosto de aprender porque me capacita a ensinar”.
Lutamos muito, anos a fio, pelo sonho de liberdade. E, todos os tipos de liberdade. A liberdade de expressão, por exemplo, que é uma das mais belas formas. É através da palavra que exercemos a cidadania, consolidamos a democracia e fortalecemos nossas instituições. Entretanto, a consolidação da democracia só será possível, como disse Rubem Alves, se o povo for educado. E ser educado não significa ter alguns diplomas universitários. Significa ter a capacidade de pensar.
Enfim, sempre fica o aprendizado de uma outra lição de vida que é a da paciência, bom senso, de esperar o momento certo, perseverar. Às vezes esse momento demora um longo tempo, isto é, cada pessoa tem a sua trajetória de vida, o seu tempo. Quando encontramos muitas dificuldades na trajetória e conseguimos ultrapassá-las, damos mais valor para aquele evento realizado, conquistado. Se não, pelo menos podemos contar para aqueles que nos são queridos, que tentamos fazer o nosso melhor e, como retorno, dormimos na paz, com a consciência tranquila.
Assim, não podemos ter a presunção da verdade, a expectativa de se imaginar o dono da razão, pois essa, qualquer que seja nos apequena, nos menospreza e nos enfraquece.
Para Paulo Freire,
não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que - fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.



[1] Anastasiou e Alves (2003, p.18) enfatizam a concepções de que o apreender sugere movimento, processo que também está presente e é reforçado pelas respostas dos alunos quando dizem que aprendizagem é colocar em prática.

[2] Segundo Polly (2002, p. 36), “Dificuldade de Ensinagem é o movimento de ensinar carregado de emoção: ansiedade, por ter de cumprir uma missão, medo e/ou frustração por não entender o aluno, fantasias de incompetência que podem gerar muita raiva em determinadas ocasiões”.





quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ame o que você faz - parte 3



Como não ver que o mais biológico - nascimento, o sexo, a morte – é, ao mesmo tempo, o mais impregnado de símbolos e de cultura? Nascer, morrer, casar-se são também atos religiosos e cívicos. Nossas atividades biológicas mais elementares, comer, beber, dormir, defecar, acasalar-se estão estreitamente ligadas a normas, interdições, valores, símbolos, mitos, ritos prescrições, tabus, ou seja, ao que há de mais estritamente cultural. Nossas atividades espirituais (refletir, meditar) estão ligadas ao cérebro, e as mais estéticas (cantar, dançar) estão ligadas ao corpo. O cérebro, pelo qual pensamos, a boca, pela qual falamos, a mão, com a qual escrevemos, são totalmente biológicos e, ao mesmo tempo, culturais. Morin (2007, p. 53).
O importante é a constante busca e, buscando estudamos, e estudar implica na formação de uma disciplina rigorosa que forjamos em nós mesmos, em nosso corpo consciente. Não pode esta disciplina ser doada ou imposta a nós por ninguém sem que isto signifique desconhecer a importância do papel do educador em sua criação. De qualquer maneira, ou somos sujeitos dela ou ela vira pura justaposição a nós. “Ou aderimos ao estudo como deleite, ou o assumimos como necessidade e prazer ou o estudo é puro fardo e, como tal, o abandonamos na primeira esquina”.
No dizer de Paulo Freire, “estudar é um que-fazer exigente em cujo processo se dá uma sucessão de dor, de prazer, de sensação de vitórias, de derrotas, de dúvidas e de alegria”.
Mas a dor do aprendizado é diferente da dor física causada, por exemplo, por exercícios com os halteres na academia de ginástica. O esforço para aprender com exercícios, individuais ou em grupos, gera um conflito interior que se passa no ethos do indivíduo, e quando estamos com pressa de querer aprender e encontramos dificuldades, ficamos ansiosos, tensos, porque estamos demorando muito para dominar a arte de brincar... Ou o aprendizado acontecer. Enquanto os outros aprendizes estão se divertindo, saboreando os brinquedos do parque de diversão do conhecimento, ou seja, dominando as ferramentas do aprendizado.  Talvez, o aprendizado de fato só venha a acontecer a partir da adversidade... num constante crescer e se desenvolver interiormente. O poeta William Blake diz que: “O prazer engravida”. “O sofrimento faz nascer”.
Na jornada de eternos aprendizes nos deparamos com professores que são marcantes, tanto no sentido positivo quanto no negativo. Lembro-me de um professor que chamava a nossa atenção com severidade, proferindo uma frase com certo ar de “medo” que era: “o aprendizado só acontece com a dor”. Confesso que concordo, mas também discordo desse enunciado, talvez, pela simples ousadia de discordar para aprender um pouco mais.
E, para tanto, recorro a Adorno (2007, p. 128) quando afirma:

A idéia educacional da severidade, em que irreflitidamente muitos podem até acreditar, é totalmente equivocada.  A idéia de que a virilidade consiste num grau máximo da capacidade de suportar dor há muito se converteu em fachada de um masoquismo que – como mostrou a psicologia – se identifica com muita facilidade ao sadismo. O elogiado objetivo de “ser duro” de uma tal educação significa indiferença contra a dor em geral. No que, inclusive, nem se diferencia tanto a dor do outro e a dor de si próprio. Quem é severo consigo mesmo adquiri o direito de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestações precisou ocultar reprimir.

domingo, 6 de maio de 2012

Ame o que você faz - parte 2


O fato é que, desde a mais tenra idade nos ensinam a dividir os problemas, a fragmentar o mundo, ou seja, pegar atalhos para facilitar tarefas e as coisas complexas. Entretanto, o preço que pagamos por isso é enorme, pois deixamos de ver os resultados de nossos atos e perdemos a noção de integração com o todo. De modo que quando queremos “enxergar o elefante inteiro”, tentamos remontar os fragmentos em nossa mente, selecionando e organizando todas as peças. Todavia, esse trabalho é inútil – o que conseguimos é uma imagem invertida e distorcida, frustrados desistimos de ver o conjunto global.
Um dos problemas com a nossa escola é que frequentemente você se transforma naquilo que você estuda. Se você estuda, por exemplo, culinária, você se torna um chef. Se você estuda direito, você se torna um advogado, e se você estuda mecânica de automóveis, você se torna um mecânico.
Aprendemos a analisar, a separar, mas não aprendemos a relacionar, a fazer com que as coisas comuniquem. Morin (2006) diz o seguinte:

O importante não é apenas a idéia de inter ou de transdisciplinaridade. Mas, que devemos “ecologizar” as disciplinas, isto é, levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se.

A verdade é que o sistema educacional tradicional tem sido um modelador básico de especialistas. E o que é um especialista? Especialista é uma pessoa resolvida, pronta, que acha que sabe tudo de quase nada, dotado de prepotência, que aprendeu por meios de coerção e que se orgulha de sua unilateralidade de visão e de ação e que perdeu a visão de totalidade. Porque a especialização não passa de uma viseira que impede a pessoa da visão de totalidade. Como retratou Charles Chaplin no filme: “Tempos Modernos”, que é, até hoje, uma crítica muito bem direcionada a nossa sociedade, em que o sujeito (operário) passa horas na fábrica apertando parafusos e de tanto repetir essa atividade, ele tem problemas de estresse e, estafado, perde a razão de tal forma que pensa que deve apertar tudo o que se parece com parafusos, como os botões da blusa de uma moça que passa pela rua, por exemplo. Assim, não sabe o porquê e para que, ou para quem aperta os parafusos.

sábado, 5 de maio de 2012

Ame o que você faz - parte 1


            Rubem Alves é mestre em dar sabor as palavras, principalmente quando fala de educação que seu prato favorito, ouso parafrasear o mestre: “Na educação formal, ensinaram-me sobre pás, enxadas e tesouras de podar. Na  educação informal descobri a beleza dos jardins, as flores e seus perfumes, aprendi sobre  arvores, frutos e a importância de sua sombra. Mais adiante encantei-me com a beleza dos jardins, dos parques e as suas maravilhosas simetrias. Hoje, se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria por partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais belas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem as músicas. Aí, encantada com a beleza da música, ela me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas”. Concordo com o Rubão, a experiência da beleza tem de vir antes.
            Quero dizer que a escola não me ensinou a inter-relação, ao contrário, colocou barreiras entre as disciplinas e também entre as pessoas, mas, de alguma forma, em determinados momentos experimentei saberes e sabores, graças a alguns poucos, porém, bons educadores que me fizeram enxergar a complexidade do mundo e perceber as interdisciplinaridades nas relações com as coisas. Como também, de alguma forma despertaram em mim o interesse da busca pela autonomia. Todavia, infelizmente, durante a maior parte dos cursos, percebia apenas partes dos detalhes do conjunto global, sem, no entanto ver o todo, como na parábola hindu, onde cinco cegos encontram um elefante, no meio do caminho. Cada um apalpa um pedaço e sai relatando às demais pessoas como era o animal que "viu". Todos estavam parcialmente certos e ao mesmo tempo, completamente errados. Mesmo assim, munidos de suas certezas, passaram horas discutindo calorosamente sobre um elefante que nunca tinham visto.
            Eu já vi muitos debates como o dessa parábola. Isso acontece porque nos convenceram que quanto mais sabemos sobre o funcionamento de cada parte, melhor aprendemos sobre o todo. Que as coisas devem ser separadas em caixinhas. Assim nos ensinavam as matérias na escola sem juntar uma coisa à outra. Os médicos, infelizmente, ainda nos tratam por partes, sem considerar o todo. E, nas organizações, fazemos apenas a nossa parte, sem buscar sinergia entre departamentos, pessoas e talento.
            O desafio das colaborações interdisciplinares consiste na construção de uma linguagem que seja comum aos especialistas oriundos de diferentes disciplinas, que possibilite um entendimento mútuo sobre as concepções iniciais e a articulação de uma caminhada que permita a cada um aceitar o “desenraizamento provocado por problemáticas diferentes da sua” (JAPIASSU, 1976, p. 57).
            Morin (2007, p. 14 e 15) lembra que é preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influencias recíprocas entre as partes e o todo em mundo complexo e, ressalta:
[...] o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Essa unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tornando-se impossível aprender o que significa ser humano. É preciso restaurá-la, de modo que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos.
De maneira que o sistema educacional o qual estudei não se diferenciava muito da visão cognitiva do elefante. E, ainda hoje, nas universidades, ensina-se "Ética" numa disciplina, "Marketing" em outra, e espera-se que o aluno faça sozinho a parte mais difícil da tarefa, que é montar o elefante como um sistema complexo e completo em sua representação mental. Darcy Ribeiro costumava afirmar que a função da universidade é dominar o conhecimento de seu tempo para poder transmiti-lo às futuras gerações. Por isso, em 2006, Michel Serres fez um apelo às universidades para que reformassem seu ensino em prol de um saber comum que, depois, se subdividiria em três grandes plataformas: a primeira explicitaria o programa comum da especialidade, a segunda, a narrativa unitária de todas as ciências, e a terceira, o mosaico das culturas humanas. Não se trata de uma renegação das especialidades tecnocientíficas, mas de sua inserção em contextos mais amplos.