Rubem Alves é
mestre em dar sabor as palavras, principalmente quando fala de educação que seu
prato favorito, ouso parafrasear o mestre: “Na educação formal, ensinaram-me
sobre pás, enxadas e tesouras de podar. Na
educação informal descobri a beleza dos jardins, as flores e seus
perfumes, aprendi sobre arvores, frutos
e a importância de sua sombra. Mais adiante encantei-me com a beleza dos
jardins, dos parques e as suas maravilhosas simetrias. Hoje, se fosse ensinar a
uma criança a beleza da música, não começaria por partituras, notas e pautas.
Ouviríamos juntos as melodias mais belas e lhe contaria sobre os instrumentos
que fazem as músicas. Aí, encantada com a beleza da música, ela me pediria que
lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas”.
Concordo com o Rubão, a experiência da beleza tem de vir antes.
Quero dizer que a escola não me
ensinou a inter-relação, ao contrário, colocou barreiras entre as disciplinas e
também entre as pessoas, mas, de alguma forma, em determinados momentos
experimentei saberes e sabores, graças a alguns poucos, porém, bons educadores que
me fizeram enxergar a complexidade do mundo e perceber as
interdisciplinaridades nas relações com as coisas. Como também, de alguma forma
despertaram em mim o interesse da busca pela autonomia. Todavia, infelizmente,
durante a maior parte dos cursos, percebia apenas partes dos detalhes do
conjunto global, sem, no entanto ver o todo, como na parábola hindu, onde cinco
cegos encontram um elefante, no meio do caminho. Cada um apalpa um pedaço e sai
relatando às demais pessoas como era o animal que "viu". Todos
estavam parcialmente certos e ao mesmo tempo, completamente errados. Mesmo
assim, munidos de suas certezas, passaram horas discutindo calorosamente sobre
um elefante que nunca tinham visto.
Eu já vi muitos
debates como o dessa parábola. Isso acontece porque nos convenceram que quanto
mais sabemos sobre o funcionamento de cada parte, melhor aprendemos sobre o
todo. Que as coisas devem ser separadas em caixinhas. Assim nos ensinavam as
matérias na escola sem juntar uma coisa à outra. Os médicos, infelizmente,
ainda nos tratam por partes, sem considerar o todo. E, nas organizações,
fazemos apenas a nossa parte, sem buscar sinergia entre departamentos, pessoas
e talento.
O
desafio das colaborações interdisciplinares consiste na construção de uma
linguagem que seja comum aos especialistas oriundos de diferentes disciplinas,
que possibilite um entendimento mútuo sobre as concepções iniciais e a
articulação de uma caminhada que permita a cada um aceitar o “desenraizamento
provocado por problemáticas diferentes da sua” (JAPIASSU, 1976, p. 57).
Morin (2007, p. 14 e 15) lembra que
é preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as
influencias recíprocas entre as partes e o todo em mundo complexo e, ressalta:
[...] o ser humano é a um só tempo físico, biológico,
psíquico, cultural, social, histórico. Essa unidade complexa da natureza humana
é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tornando-se
impossível aprender o que significa ser humano. É preciso restaurá-la, de modo
que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência ao
mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os
outros humanos.
De maneira que o sistema educacional o qual estudei não se diferenciava
muito da visão cognitiva do elefante. E, ainda hoje, nas universidades,
ensina-se "Ética" numa disciplina, "Marketing" em outra, e
espera-se que o aluno faça sozinho a parte mais difícil da tarefa, que é montar
o elefante como um sistema complexo e completo em sua representação mental.
Darcy Ribeiro costumava afirmar que a função da universidade é dominar o
conhecimento de seu tempo para poder transmiti-lo às futuras gerações. Por
isso, em 2006, Michel Serres fez um apelo às universidades para que reformassem
seu ensino em prol de um saber comum que, depois, se subdividiria em três
grandes plataformas: a primeira explicitaria o programa comum da especialidade,
a segunda, a narrativa unitária de todas as ciências, e a terceira, o mosaico
das culturas humanas. Não se trata de uma renegação das especialidades
tecnocientíficas, mas de sua inserção em contextos mais amplos.
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