Por que falar de ócio?
[...] Diante do mundo de evasão, distração espetáculo que nos rodeia, o ser humano se torna cada vez mais limitado, cada vez mais dependente das máquinas, menos ator e mais espectador de uma realidade irreal. Falar de ócio se transforma neste contexto, num questionamento de cada um consigo mesmo, de como ser um pouco mais livre para fazer o que se quer. (...) a vivência de ócio é uma experiência que nos ajuda a nos realizar, nos conhecer, nos identificar, nos sentir melhores, sair da rotina, fantasiar e recuperar o equilíbrio das frustrações e desenganos.

(Cuenca, 2003, p. 32).

sábado, 5 de maio de 2012

Ame o que você faz - parte 1


            Rubem Alves é mestre em dar sabor as palavras, principalmente quando fala de educação que seu prato favorito, ouso parafrasear o mestre: “Na educação formal, ensinaram-me sobre pás, enxadas e tesouras de podar. Na  educação informal descobri a beleza dos jardins, as flores e seus perfumes, aprendi sobre  arvores, frutos e a importância de sua sombra. Mais adiante encantei-me com a beleza dos jardins, dos parques e as suas maravilhosas simetrias. Hoje, se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria por partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais belas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem as músicas. Aí, encantada com a beleza da música, ela me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas”. Concordo com o Rubão, a experiência da beleza tem de vir antes.
            Quero dizer que a escola não me ensinou a inter-relação, ao contrário, colocou barreiras entre as disciplinas e também entre as pessoas, mas, de alguma forma, em determinados momentos experimentei saberes e sabores, graças a alguns poucos, porém, bons educadores que me fizeram enxergar a complexidade do mundo e perceber as interdisciplinaridades nas relações com as coisas. Como também, de alguma forma despertaram em mim o interesse da busca pela autonomia. Todavia, infelizmente, durante a maior parte dos cursos, percebia apenas partes dos detalhes do conjunto global, sem, no entanto ver o todo, como na parábola hindu, onde cinco cegos encontram um elefante, no meio do caminho. Cada um apalpa um pedaço e sai relatando às demais pessoas como era o animal que "viu". Todos estavam parcialmente certos e ao mesmo tempo, completamente errados. Mesmo assim, munidos de suas certezas, passaram horas discutindo calorosamente sobre um elefante que nunca tinham visto.
            Eu já vi muitos debates como o dessa parábola. Isso acontece porque nos convenceram que quanto mais sabemos sobre o funcionamento de cada parte, melhor aprendemos sobre o todo. Que as coisas devem ser separadas em caixinhas. Assim nos ensinavam as matérias na escola sem juntar uma coisa à outra. Os médicos, infelizmente, ainda nos tratam por partes, sem considerar o todo. E, nas organizações, fazemos apenas a nossa parte, sem buscar sinergia entre departamentos, pessoas e talento.
            O desafio das colaborações interdisciplinares consiste na construção de uma linguagem que seja comum aos especialistas oriundos de diferentes disciplinas, que possibilite um entendimento mútuo sobre as concepções iniciais e a articulação de uma caminhada que permita a cada um aceitar o “desenraizamento provocado por problemáticas diferentes da sua” (JAPIASSU, 1976, p. 57).
            Morin (2007, p. 14 e 15) lembra que é preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influencias recíprocas entre as partes e o todo em mundo complexo e, ressalta:
[...] o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Essa unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tornando-se impossível aprender o que significa ser humano. É preciso restaurá-la, de modo que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos.
De maneira que o sistema educacional o qual estudei não se diferenciava muito da visão cognitiva do elefante. E, ainda hoje, nas universidades, ensina-se "Ética" numa disciplina, "Marketing" em outra, e espera-se que o aluno faça sozinho a parte mais difícil da tarefa, que é montar o elefante como um sistema complexo e completo em sua representação mental. Darcy Ribeiro costumava afirmar que a função da universidade é dominar o conhecimento de seu tempo para poder transmiti-lo às futuras gerações. Por isso, em 2006, Michel Serres fez um apelo às universidades para que reformassem seu ensino em prol de um saber comum que, depois, se subdividiria em três grandes plataformas: a primeira explicitaria o programa comum da especialidade, a segunda, a narrativa unitária de todas as ciências, e a terceira, o mosaico das culturas humanas. Não se trata de uma renegação das especialidades tecnocientíficas, mas de sua inserção em contextos mais amplos.

                

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