Eram tempos
difíceis para meus pais. Meu pai afastado do trabalho por uma cirurgia de úlcera no estômago e com três filhos ainda pequenos para criar, se via
derrotado e fracassado, como soldador da fábrica pertencente à família Matarazzo
não poderia mais exercer sua profissão.
Entretanto, usou
desse tempo de ócio para imaginar uma nova profissão, porém, era uma época
difícil e as portas se fechavam, em meio a este caos, surgiu a ideia de
trabalhar com aquilo que mais gostava, ou seja, a fotografia. Todavia, não
tinha conhecimento algum sobre o domínio dessa arte.
Os Diários Associados
Mesmo não
sabendo absolutamente nada de fotografia, meu pai dirigiu-se ao prédio dos “Diários
Associadas”, do visionário Assis Chateaubriand, que entre o final dos anos 1930
e início dos anos 1960 contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV,
revistas e agência telegráfica, sendo o maior conglomerado de mídia da América
Latina.
A ousadia de meu
pai não foi de toda infrutífera, resultou num emprego, porém, não na área que
pretendia, mas sim, na cabina do elevador, como ascensorista do edifício dos
Diários. Para quem estava desempregado há algum tempo e recebendo o auxilio
humilhante da Caixa...
Não desanimou,
ao contrário, aproveitou a oportunidade e, nesse sobe e desce de elevador conheceu
muitos fotógrafos e jornalistas profissionais daquela época. Não demorou muito
para que o pessoal (funcionários) dos Diários percebesse que o seu entusiasmo e
interesse pelas reportagens jornalísticas eram sinceros e, assim, lhe deram uma
chance para trabalhar como iluminador. Carregou por um bom tempo uma cruzeta de
madeira pesada, com três lâmpadas fixadas na ponta, dando cobertura aos
repórteres dos jornais.
Aproveitava suas
horas vagas para pedir emprestado dos colegas uma câmera fotográfica para tirar
umas fotos que, depois de reveladas, usava-as para discutir com os profissionais
sobre os seus erros e acertos. E foi assim que conseguiu uma promoção para
trabalhar como Auxiliar de Fotógrafo e depois como Fotógrafo.
A televisão do Chatô
Assis Chateaubriand
Em 1950 fundava o primeiro canal de TV
Câmera da Tupi
Meu pai deixou
os Diários para trabalhar na TV Tupi, aprendeu muito sobre televisão e
filmagens, depois foi para TV Excelsior – canal 9, do criativo Edson Leite, onde
teve a oportunidade de desenvolver sua arte atuando como repórter
cinematográfico da TV Excelsior até sua falência em meados de 1970.
Logotipo da TV Tupi
Logotipo da TV Excelsior
Como Repórter Cinematográfico
trabalhou para algumas emissoras de televisão, entre elas a TV Cultura, SBT, encerrando
a sua carreira na Rede Globo de televisão na década de 80.
O
desejo de meu pai sempre foi o de partilhar com as pessoas as imagens que capturava
com sua câmera, fazendo com que elas também pudessem ver aquilo que ele
observava.
Não
como uma forma de ganhar a vida, mas também para realizar um desejo fundamental
de mostrar às pessoas seu olhar sobre o mundo.
Hoje,
as tecnologias fazem as pessoas chegarem mais facilmente à
fotografia. Pode-se mostrar o próprio trabalho em álbuns online, blogs ou websites. E,
sem dúvida, esta é uma maneira de crescer através da aprendizagem e de conquistar
as pessoas com as imagens escritas com a luz e que representa mais que uma palavra escrita com lápis ou falada
com a língua...porque a imagem fotográfica revela o silêncio da alma.
Meu pai dizia o
seguinte: “O seu olhar é o pré-requisito para a fotografia. O olhar é o que faz
de você um fotógrafo único. O olhar é sua “criatividade”. É o que lhe permite
captar em fotografias o que você vê e sente… é o que lhe permite extrair com beleza
o que está escondido em uma cena aparentemente banal”.
Não foi bem
assim que ele me falou, mas foi assim que senti e apreendi quando ele me
ensinou.
Quando
analiso meu pai na foto que postei acima, sou o observador observando o olhar
do fotógrafo que apertou o dedo para tirar aquela foto, constatando que este é também
o meu olhar sobre meu pai. A câmera integrava seu corpo como se fizesse parte
dele e a firmeza com que suas mãos a acolhiam, revelavam que o dedo era submisso
ao olhar criativo que ele tinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário