“E
agora, que estou livre de todas as obrigações oficiais, sinto-me atraído pela
idéia de usar meu tempo e bom humor para, num desses dias, escrever um livro –
ou antes, um livrinho, uma coisinha para os amigos e aqueles que partilham dos
meus pontos de vista. O assunto não terá a menor importância. Será apenas um
pretexto para que eu me isole a fim de gozar a felicidade de ter tempo de
lazer. O importante mesmo será o tom, que deverá estar entre o solene e o
íntimo, entre o sério e o brinquedo, um tom que não seja de instrução, mas de
conversa amigável sobre várias coisas que aprendi...”
Hermann Hesse (O jogo das contas
de vidro).
O texto acima
está no prefácio do novo livro de Rubem Alves: “Variações sobre o prazer”. Quando
eu estava lendo lembrei-me da máxima que diz: “quem trabalha não enriquece”.
A maioria dos
assalariados não reflete sobre o motivo de uma empresa lhe pagar salário. Seria
por caridade, altruísmo, generosidade? Longe disso: um empregado assalariado
dedica nove, dez ou mais horas por dia para, simplesmente, enriquecer os donos
ou acionistas da empresa para a qual trabalha. Passa, portanto, a maior parte
de seu tempo dedicando seu suor, sua inteligência, sua experiência e seu networking para gerar riqueza para os
outros.
Bem, no sistema
capitalista quem tem riqueza põe essa riqueza para trabalhar e multiplicar seu
capital, convidando aqueles que não têm capital para ajudá-lo nesse objetivo de
multiplicar riquezas. Em troca, oferece parte da riqueza gerada, na forma de
salário.
Não é por acaso
que Marx compara a situação dos trabalhadores com a exploração do solo. O que
ele via acontecendo ao seu redor era resultado
da submissão dos dois processos ao principio da acumulação máxima de
capital.
Ou seja, tudo o que
importa é pura e simplesmente o máximo da força de trabalho que pode ser utilizado
em um dia de trabalho. E, alcança esse fim encurtando a extensão da vida do
trabalhador, da mesma forma que um agricultor ganancioso obtém mais
produtividade do solo ao roubar-lhe sua fertilidade. Ele simplesmente, está presumindo
que o agricultor não apenas rouba o solo, mas também a si mesmo, ao deixar de
repor algo em troca. O capitalismo puro diria que o agricultor desse exemplo
será forçado a ver o erro das suas ações, pois, mais cedo ou mais tarde, as
suas culturas começarão a falhar e o mercado imporá uma correção.
O problema é que
como na grande escala de mercados mundiais os danos causados raramente estão tão
intimamente ligados à sua causa, a tese da correção está descartada. Os
mercados podem não funcionar de forma sustentável por diversas razões. A própria
escala pode significar que não estamos cientes da quantidade da destruição
Você pode
imaginar o tamanho de uma floresta amazônica?
Em 2005, a ONU afirmou que 13
milhões de hectares de florestas são perdidos todos os anos, mas o que isso
significa para você ou para mim quando estamos em uma loja de móveis? Além
disso, há problemas de a ligação entre causa e efeito ser ocultada pela distância:
eu nunca estive em Mato Grosso e, mesmo que houvesse estado, seria difícil ver
como a minha mesa nova em folha é resultado de algum impacto sobre a sua
biodiversidade. Depois, o capitalismo tende a privatizar o capital natural para
explorá-lo, enquanto os custos reais são internalizados como um problema para a
sociedade em geral.
Em
resumo, o capitalismo faz um grande trabalho colhendo os lucros, mas, quando se
trata de recuperar os danos, ele desaparece. Ao contrário do agricultor estúpido
da história de Marx, o capitalismo global pode sempre seguir em frente. Pelo
menos até que o planeta tenha se esgotado.
Baseado no livro: O Capital de Karl Marx – por Steve
Shipside, “Uma interpretação moderna e prática”.
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